terça-feira, 26 de maio de 2015

Da série: "Piquenas e médias notas a um discurso neo-liberal"



Esta semana já deu que falar o corte nas pensões anunciado em modo "deixa-me atirar o barro à parede e ver o que dá", pela Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, num montante que equivale aos cortes de três anos, 600 milhões de euros. Apesar da folga orçamental, do acréscimo da receita, e confrontada com ao crescimento do fantasma que surgiu não se sabe bem de onde e apelidado de dívida pública, a solução passa pelo corte radical do orçamento de pensionistas. Mais um vez a estratégia do rigor e do grande desígnio nacional que apelidam envergar bate com a realidade, como é possível continuar a cortar a quem já foi autenticamente trucidado nestes anos de austeridade? A insensibilidade social que tem sido uma das grandes marcas desta governação volta a manifestar-se e as pessoas continuam a ser meros números numa tabela de excel, e o mais grave é que não se vislumbra qualquer mudança de política no futuro no que ao CDS-PP e PSD diz respeito. Contudo, e atendendo à ausência de um programa político da coligação deixo aqui uma sugestão: Acabar com a possibilidade da Segurança Social, através do IGFSS, utilizar o dinheiro dos contribuintes para investimento em bens mobiliários, produtos financeiros e outros que tais, algo que incompreensivelmente se mantém e que já trouxe milhões de prejuízo no caso recente da queda das acções da Portugal Telecom. Talvez assim se reflicta em actos a questão do rigor e responsabilidade.


Mas, como nem só de cortes vive a populaça, parece que Maria Luis Albuquerque aderiu à moda do Observador e, como leitora atenta do referido jornal on-line não deixou de fazer uma referência a uma possível revisão do texto constitucional. Nas palavras da Ministra das Finanças ""A nossa Constituição é muito detalhada e uma Constituição que tem muitos detalhes fica mais facilmente desfasada da evolução da sociedade", ou seja, temos uma Constituição demasiado garantística e pouco prática. Atendendo ao historial de violações do texto fundamental que rege a nossa República, sou solidário com o aborrecimento constante de ter de observar as regras mais elementares quando defendemos o progressivo empobrecimento e ajustamento social da sociedade dos nossos dias, de facto, um drama absoluto e incompreensível. Abstraindo a ironia que pautou a última frase, o grau de detalhe que a Ministra das Finanças fala é talvez mais actual que nunca. Como se pode ousar retirar direitos e garantias quando os mesmos são cada vez mais violados em nome do sacro equilíbrio financeiro? Bem sei que a evolução da sociedade preconizada tem vindo a ter um elevado grau de sucesso aos olhos do Governo, hoje temos um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, garantimos que uma franja cada vez maior da população fique excluída do acesso ao ensino superior e até ao sistema nacional de saúde e conseguimos colocar uma parte substancial da população no limiar na pobreza. É hora de abandonarem de vez a cruzada da revisão constitucional e talvez fosse de um elevado grau de sapiência consentir que os direitos que muitas vezes menosprezam e dão como ultrapassados são hoje essenciais e merecedores de uma redobrada atenção e defesa.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Contradições insanáveis: o FMI, a UTAO e o CFP.


O FMI tem sido pródigo na elaboração dos mais variados relatórios sobre a aplicação de medidas de austeridade. Por vezes deparamo-nos com relatórios da espécie “bonzinhos” que falam dos malefícios da austeridade como quem fala dos malefícios do tabaco em jeito de pós-aplicação. Houve alturas em que estes relatórios serviram para dar uma imagem benevolente do FMI, visto como um autêntico “bicho-papão” e até deu suporte a um pedido de desculpas ao melhor estilo de “Perdoa-me”. Contudo, o FMI não vive só de relatórios humanizados, tem também a sua quota-parte de relatórios vindos directamente de um dos círculos do inferno de Dante. Nestes, a defesa intransigente e paternalista de uma receita de austeridade em doses cavalares como a salvação de um povo tem vindo a servir de suporte para a aplicação das mesmas, como se o FMI fosse uma entidade sobrenatural e omnisciente da ciência económica. No fundo, ao sabor dos ventos e do ritmo de trabalho dos seus funcionários, o FMI consegue entrar em contradição pelo menos uma vez por semestre, o que poderemos apelidar de uma boa média, sendo que a coerência, a existir, apenas se reporta às constantes tropelias que deveriam envergonhar quem gere uma das maiores entidades financeiras a nível mundial.


Já no plano interno, Teodora Cardoso, Presidente do Conselho Superior do Conselho das Finanças Públicas veio afirmar que nem esta entidade nem a UTAO podem realizar qualquer análise ao cenário macroeconómico apresentado pelo Partido Socialista e que o PSD desejava ardentemente submeter ao crivo das referidas entidades. No fundo, Teodora Cardoso veio apenas confirmar que a ideia do PSD era impraticável e ridícula atendendo às atribuições de ambas as entidades, as quais têm como desígnio a análise das contas públicas e não a análise de cenários macroeconómicos de crivo ideológico propostos por partidos políticos e que nem sequer são uma certeza a nível da implementação. Curioso é saber que esta tentativa de utilização de organismos independentes e públicos, com a missão clara de analisar e avaliar as contas públicas, leva a uma de duas conclusões, ou o PSD está tão preocupado com a apresentação de uma alternativa que em tudo parece apontar para um caminho diferente do trilhado até aqui que se esqueceu, mais uma vez, que existem regras emanadas da Lei (já que as da Constituição da República Portuguesa representam para estes um empecilho e um aborrecimento) que excluíam a análise do cenário por parte da UTAO e da CPF, ou então, e algo que já não se pode considerar uma novidade, face à ausência de propostas e cenários próprios, utilizaram o nome da UTAO e da CPF para mera manobra de diversão, bem sabendo da impossibilidade legal de realização da sua proposta.